quarta-feira, 26 de maio de 2010

Meu Enxadão Querido




















Foto do autor, meu pai.
Meu Enxadão ‘Querido’

Oh! Enxadão querido, quando te pego, em minhas mãos, vêm-me tantas recordações, nesse instante vem-me uma saudade, que sai do fundo do meu coração. Você sabe que essa nossa amizade vem desde o ano de 1941. Lembro-me que foi no começo de setembro que o nosso administrador mandou o fiscal avisar todos nós, colonos, da fazenda para que, quem não tivesse, fôssemos comprar, pois tínhamos um serviço para ser executado e todos precisariam desta ferramenta. Então eu fui para Colina, e lá na Casa São Domingos eu te encontrei e te comprei. A colheita de café daquele ano foi fraca e terminou um mês antes do prazo. Assim a fazenda nos mandou em uma invernada (pasto grande), que ficava na divisa com a fazenda Santa Genoveva, para arrancarmos todos os arbustos de amendoim, arranhagatos, lixas e cipós de todas as qualidades, foi um mês de serviço bruto, mas, foi divertido. E você, enxadão, foi meu grande companheiro nessa empreitada. Depois que arrancamos os arbustos fomos roçar as ervas e capins rasteiros. Então foi mais divertido ainda, era bonito ver, aqueles cem homens, todos manejando as suas foices. Levávamos um eito de duzentos metros de extensão, duzentos indo e duzentos voltando, era bonito e engraçado ver o bailar das foices. Naquela invernada havia muitas aves e bichos, pegamos várias cobras cascavel que, em caixas, eram mandadas para o Instituto Butantã. Quantos passarinhos, nhambus e codornas que pegamos! Várias codornas, ao levantar vôos do ninho, batiam nas nossas foices, que estavam no alto para dar o golpe no capim, e caiam mortas. Lembro-me que um cachorro do mato saiu no meio de nós, e, pega daqui e pega dali, ele conseguiu vazar o cerco passando entre as pernas de um colega e saiu ileso fugindo para o mato. Se este enxadão velho falasse, quantas coisas ele ia contar! Já perdi até as contas de quantos tocos ele me ajudou a arrancar. Lembro-me também, que naquela capineira beirando a mata da fazenda do senhor João Henrique Paro, você enxadão ajudou-me a desbravá-la, arrancando todos aqueles tocos. Quantos buracos você fez! E também quantas cercas fizemos juntos! Lembra dos cochos (para colocar os alimentos dos animais) que você ajudou-me a furar, querido enxadão! Devo admitir, enxadão, que você é mais forte que eu; ou seja: você furou aquele coxo de aroeira e não sentiu nada, enquanto que eu fiquei cansado e com o corpo todo dolorido. Meu querido enxadãozinho, você me ajudou a criar meus queridos filhinhos, por isso é que eu lhe estimo tanto. Eu não dou e nem vendo você para ninguém. Você é para mim uma jóia preciosa e me acompanha há mais de meio século. Em todas as casas que nós mudamos, era com você que eu furava os buracos para fazer as cercas e, também, para fincar as estacas dos varais de roupa. Você acompanhou-me durante vinte e um anos, na roça, e quando mudei para a cidade, você também veio, pois a nossa união para o trabalho era tão grande que não tive coragem de ti deixar. Eu coloquei você em cima do caminhão e partimos, porém, eu vim de Trem e quando aqui cheguei você já estava me esperando. Um dia desses, ao olhar-te, eu senti dó em ver-te com este cabo de peroba, tão grosso, pesado e comprido. Esse cabo tira boa parte de sua força, na hora de penetrar na terra. Eu estou velho e já estou parando com minha empreitada, ao passo que você, ainda vai longe, vai furar buracos por mais uns sessenta anos. Até lá; somente Deus saberá onde estarei. Da minha parte eu espero estar com nosso Pai no céu. E você, meu enxadão, quando estiver bem pequeno, com sua lâmina toda gasta, vão te vender como sucata e te derreter na fornalha, e, provavelmente, na fundição de ti farão uma nova ferramenta e com isso um outro trabalhador comprar-te-á e vocês seguiram uma nova jornada.
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Nestor de Oliveira
Novembro de 2003

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