sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

As Origens da celebração do Natal


As Origens da celebração do Natal

Autor: Rafael de Mesquita DiehlPublicação original: Dezembro de 2008

A solenidade do Natal, isto é, a celebração do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, é uma das celebrações mais importantes da Santa Igreja. Contudo, não é a solenidade mais antiga (a solenidade mais antiga é, certamente, a Páscoa da Ressurreição), sendo que a uniformidade de sua celebração é posterior ao século IV. Pretendemos aqui apresentar brevemente as origens e o significado dessa importante solenidade.
I- As Origens da Celebração da Natividade do Senhor
A celebração do Natal, conforme podemos auferir pelos registros históricos, surge no século IV a partir dos principais bispados da época, embora não celebrassem na mesma data. Ao que as fontes indicam, a data do nascimento de Cristo era desconhecida dos primeiros cristãos, sendo que nem as Sagradas Escrituras, nem os Padres Apostólicos citam uma data certa.
São Clemente de Alexandria (morto em 215) relata que os escritores de seu tempo estabeleceram diversas datas como sendo a do nascimento de Jesus, embora critique essas suposições como curiosidade. Ao que tudo indica, a Natividade de Cristo ainda não era celebrada.[1]
Em Alexandria (cidade localizada no Egito - um dos bispados mais antigos, cujo primeiro bispo foi o Apóstolo São Marcos), no III século, tornou-se costume a celebração da Natividade de Cristo junto com a festa da Epifania, isto é, por volta de 6 de Janeiro. Ainda nos tempos do Concílio de Nicéia (ocorrido em 325), nas Constituições da Igreja de Alexandria lê-se dies Nativitatis et Epiphaniae (“Dia da Natividade e da Epifania”), o que indica que tais festas ainda eram celebradas conjuntamente. Contudo, entre os anos de 427 e 433 a data da celebração no Egito passou a ser o dia 25 de dezembro, conforme podemos observar pelos sermões de São Cirilo, Bispo de Alexandria e de outros autores da época. [2]
Santo Epifânio (morto em 403), que foi bispo de Salamina na Ilha de Chipre, menciona a data do nascimento de Cristo como sendo em 6 de Janeiro (Hær., li, 16, 24 en P.G., XLI, 919, 931), o que nos permite deduzir que em Chipre também tinha-se o costume de celebrar o Natal juntamente com a Epifania. Tal é o caso também da Armênia. Santo Éfrem, o Sírio (morto em 373) relata que na Mesopotâmia celebrava-se o nascimento de Cristo treze dias após o solstício de inverno (6 de janeiro). Segundo os sermões de São Gregório de Nissa (morto em 395) datados de 380, o Natal já era celebrado no dia 25 de dezembro durante essa época na região da Ásia Menor (P.G., XLVI, 788; cf, 701, 721), assim como afirmam outros contemporâneos da mesma região.[3]
Em Jerusalém (cujo primeiro bispo foi o Apóstolo São Thiago), por volta de 385, relatos mostram que a Natividade era comemorada no dia 6 de janeiro. Embora tenha havido algumas correspondências entre o bispo São Cirilo de Jerusalém (morto em 386) e o Papa São Júlio I (morto em 352) sobre uma possível mudança da data da celebração do Natal (estabelecida pelo Papa para 25 de dezembro), não foi efetuada nenhuma mudança por Cirilo. Talvez isso esteja ligado ao fato de que São Gregório Nazianzeno estava sendo criticado por ter “dividido as duas festas” (isto é, ter estabelecido a data do Natal em 25 de dezembro, separada da Epifania de 6 de janeiro) em Constantinopla. Contudo houve críticas também no sentido contrário. São Jerônimo de Strídone criticara, em um escrito de 411, o fato de Jeursalém “ocultar” a celebração do Natal ao festeja-la junto com a Epifania (en Ezeq., P.L., XXV, 18). Jerusalém apoiava sua tradição de celebrar as duas festas conjuntamente baseados na suposição de que Jesus teria sido batizado no dia de seu aniversário, conforme deduziam a partir do relato do Evangelho de São Lucas III, 23. [4]
Em Antioquia (cidade localizada na Síria, onde o Apóstolo São Pedro foi Bispo antes de tornar-se Bispo de Roma), São João Crisóstomo (morto em 407), quando ainda era Presbítero defendera a mudança da data da celebração do Natal para o dia 25 de dezembro, o que já era costume para parte da comunidade antioquina. Crisóstomo conseguiu introduzir este novo costume em Antioquia e em toda a região próxima [5], baseando-se em algumas suposições calculadas sobre a data em que São Zacarias recebeu o anúncio do Anjo Gabriel enquanto oficiava no Templo de Jerusalém. [6]
Em Constantinopla (cuja algumas tradições consideram ter sido o Apóstolo Santo André seu primeiro Bispo), a celebração do Natal no dia 25 de dezembro foi introduzida por São Gregório Nazianzeno, entre 379 e 380. Contudo, a celebração nesta data desapareceu após o desterro de Gregório em 381. Alguns escritos também sugerem que a data de 25 de dezembro foi introduzida em Constantinopla novamente pelo Imperador Arcádio e por São João Crisóstomo, nomeado Bispo da dita cidade, embora essa informação seja mais incerta.
Ao que tudo indica, em Roma o Natal, desde que começou a ser festejado, sempre fora celebrado no dia 25 de dezembro. Um dos registros mais antigos nesse sentido é a Depositio Martyrum de Filocálio, uma espécie de calendário litúrgico da época, datado de 354. [7] Nele podemos ler VIII kal. ian. natus Christus in Betleem Iudeae (“[No] oitavo [dia das] calendas de janeiro [isto é, 25 de dezembro] nasce Cristo em Belém da Judéia”). Existem referências a essa data também em um manuscrito de Santo Hipólito de Roma (morto em 235), embora alguns estudiosos julguem ser as menções a essa data contidas no escrito de Hipólito como interpolações posteriores. [8] Assim, é mais seguro afirmar que a celebração do Natal em Roma existe a partir do século IV. Também o discurso do Papa São Libério em 353 durante a cerimônia de velatio de Santa Marcelina, irmã de Santo Ambrósio de Milão (morto em 397) faz menção a data de 25 de dezembro. Tal discurso está reproduzido no tratado de Virginibus escrito por Ambrósio 23 anos depois. [9] As referências neste caso, contudo, são implícitas e não tão certas quanto as da Depositio Martyrum, embora a proximidade com este texto possa favorecer a hipótese de que o discurso do Papa mencionava de fato a celebração do Natal do Senhor.

II- A fixação da data do Natal em 25 de dezembro
Como vimos, ao longo do século IV, a maioria das principais dioceses acabou por introduzir em suas regiões de influência a celebração do Natal no dia 25 de dezembro, separado da festa da Epifania, celebrada no dia 6 de janeiro. Segundo Cyril Martindale na Enciclopédia Católica, a data de 25 de dezembro foi trazida de Roma ao Oriente durante o reavivamento anti-ariano pelos defensores da ortodoxia Católica. [10]
Como se deu a fixação dessa data? Monsenhor Mario Righetti aponta duas principais hipóteses levantadas pelos liturgistas. A primeira hipótese defendida principalmente por Usener e Botte, defende que a fixação da date em 25 de dezembro está relacionada com a festividade pagã do Natalis Invicti, isto é, a celebração do nascimento da divindade pagão do Sol Invictus (“Sol Vitorioso”) ou o deus Mitra. Defendem esses estudiosos que tal fixação de data deu-se para substituir a festa pagã do Sol Invicto por uma solenidade Cristã. De fato, a Igreja sempre procurou dar novo significado às festas pagãs, tirando-lhes o sentido pagão e substituindo por uma significação cristã. Em outras palavras, uma “cristianização” da festa pagã. Contudo, embora os Santos Padres usem o sol e o nascer do sol como símbolos de Cristo e de sua renovação no mundo e nos homens, esta analogia parece ter sido tomada do Livro de Malaquias [11] e não de alguma associação com a divindade solar pagã. Também não há nenhum registro da época que mencione explicitamente a instituição da celebração do Natal de Cristo no dia 25 de dezembro com a intencionalidade de substituição da festa pagã. [12]
A segunda hipótese, defendida por Duchesne, sugere que a fixação da data deu-se por razões astronômicas e suposições de que Cristo teria se morrido no mesmo dia da Encarnação. Sendo assim, Cristo teria sido concebido em um dia 25 de março e nascido em 25 de dezembro. Embora a primeira hipótese seja mais aceita pelos liturgistas modernos, Righetti concilia as duas hipóteses como complementares: “Observando bem, não obstante, as duas teorias poderiam completar-se mutuamente. As autoridades eclesiásticas, desejosas de substituir uma festa cristã à festa solar de 25 de dezembro, encontraram no sincronismo das duas festas (25 de março, 25 de dezembro) um motivo a mais para por a comemoração e celebração do nascimento de Cristo.” [13]
Ao fixar-se a celebração do Natal, a Igreja também fixou no calendário litúrgico as festas da Circuncisão de Cristo, Apresentação de Cristo no Templo, da Anunciação do Anjo à Virgem Maria e mesmo do Nascimento e Concepção de São João Batista. Até o século X, o Natal era considerado o início do ano litúrgico, mas depois surgiu o tempo litúrgico do Advento, de preparação para a solenidade do Natal. [14]

III- O dia 25 de dezembro como a data real do nascimento de Jesus
Conforme demonstrado, a celebração do Natal no dia 25 de dezembro surgiu em Roma por volta do século IV. Contudo, estudos recentes mostram que a decisão pode ter sido menos arbitrária do que parece. Baseados na revisão dos cálculos do historiador judeu Flávio Josefo (morto por volta de 100 d.C.) e comparação com outros cálculos de datações da época, estudiosos mostram que é muito possível a hipótese de que o monge Dionísio, o Exíguo estivesse certo ao estabelecer em 532 que a data do nascimento de Cristo tinha se dado no VIII dia das Calendas de Janeiro do ano 754 da fundação de Roma. Tal data corresponde ao dia 25 de dezembro do ano 1 a.C. [15]
Outro estudo, realizado por Shemarjahu Talmon, docente da Universidade Hebraica de Jerusalém, conseguiu através de consultas aos manuscritos de Qumran calcular a data em que a classe sacerdotal de Abias (a qual pertencia São Zacarias, pai de São João Batista) oficiava a Liturgia no Templo de Jerusalém. A classe de Abias servia duas vezes ao ano, sendo uma delas na última semana de setembro. “Eis, portanto, como aquilo que parecia mítico assume, improvisamente, uma nova verosimilhança - Uma cadeia de acontecimentos que se estende ao longo de 15 meses: em Setembro o anúncio a Zacarias e no dia seguinte a concepção de João; seis meses depois, em Março, o anúncio a Maria; três meses depois, em Junho, o nascimento de João; seis meses depois, o nascimento de Jesus. Com este último acontecimento, chegamos precisamente ao dia 25 de Dezembro; dia que não foi, portanto, fixado ao acaso.” [16] Desta forma, não só mostra que Cristo nasceu possivelmente no dia 25 de dezembro, como mostra uma compatibilidade com as demais datas de festas litúrgicas da Igreja conectadas com esse acontecimento.
Esta última hipótese torna-se ainda mais interessante se recordarmos que São João Crisóstomo usou de uma hipótese semelhante para introduzir a data de 25 de dezembro como a da celebração do Natal na diocese de Antioquia, quando ainda era apenas um presbítero nesta diocese.

IV- O significado do Natal
Cumpre-nos agora, a título de conclusão, refletir sobre o significado dessa importante solenidade cristã. Havia, nos anos que antecederam o nascimento de Jesus, uma expectativa muito grande pela vinda do Messias, o Rei e Salvador prometido por Deus ao Seu Povo. Vários profetas já haviam falado de sua vinda. E eis que um anjo de Deus é enviado a uma pequena cidade da Galiléia, Nazaré, para anunciar a uma jovem virgem que ela traria em seu ventre o Filho de Deus. Esta jovem é a Bem-aventurada e Sempre Virgem Maria.
O nascimento de Cristo foi muito importante, pois com ele, o Senhor Jesus iniciaria Sua obra de Redenção do Gênero humano. Tal acontecimento foi permeado de diversos sinais miraculosos. Primeiramente a própria concepção milagrosa de Cristo, nascido de uma Virgem e concebido sob o poder do Espírito Santo, sem o auxílio de varão. Junto à isso a aparição de um anjo à Virgem. Depois, a estrela que mostrou o local do nascimento do Senhor.
Muitas seitas protestantes acusam o Natal de ser uma festa pagã, devido à hipótese de que a festa teria sido instituída pela Santa Igreja para substituir a festividade pagã de Mitra ou do Sol Invicto. Carece de logicidade argumentar que uma festa tem sentido pagão apenas pela coincidência das datas. Analisemos, então, o sentido de se festejar o nascimento de Cristo.
A Sagrada Escritura nos mostra que o nascimento de Jesus foi um motivo de grande júbilo não somente para os judeus, mas também para os pagãos. Tanto os pastores judeus de Belém, quanto os magos pagãos do Oriente foram à estrebaria adorar o Menino Deus recém-nascido. Como pode ser anti-cristão festejar o nascimento do Senhor se até mesmos os anjos cantaram a Glória de Deus, desse Deus que havia nascido segundo a carne? Acaso não imitam os cristãos os santos anjos do Deus ao festejarem com júbilo o nascimento de Seu Filho e Senhor Nosso?
Vimos anteriormente que muito é possível que a data real do nascimento de Nosso Senhor tenha sido de fato no dia 25 de dezembro. Mas consideremos, por um breve momento, que a data ainda seja incerta ou desconhecida e que a data fora estabelecida para substituir a festa pagã do deus Mitra. Isso altera o sentido do Natal cristão? Os cristãos celebram o Natal cientes de que o fazem comemorando o nascimento de Cristo e não de uma divindade antiga cujo culto jaz extinto desde a Antigüidade Tardia.
Ao estabelecer a data do Natal no dia do deus Sol (ou, poderíamos dizer, Cristo, ao nascer coincidentemente no mesmo dia da festividade pagã da divindade solar) a Igreja mostra que Cristo ao nascer ensinou os pagãos a não adorarem mais o sol físico, mas a adorar Aquele que é o verdadeiro “Sol da Justiça”, Jesus Cristo. Isso é exposto de maneira brilhante em um trecho da Liturgia de rito bizantino do Natal: “Teu nascimento, ó Cristo, nosso Deus, fez brilhar no mundo a luz da Sabedoria; e, graças a uma estrela, aqueles que adoravam os astros aprenderam a adorar-te, Sol de Justiça, e ao conhecer em Ti o Oriente que vem do alto: Glória a Ti, Senhor.” [17]
Neste Natal, e em todos os demais, portanto, munamo-nos dos mesmos sentimentos e da mesma Fé com que os pastores e magos foram à manjedoura. Jubilemos e glorifiquemos a Deus como os anjos do Céu e rendamos Graças ao Senhor por ter descido dos Céus e para nossa Salvação ter se feito homem. Não há para nós maior presente do que Cristo. Deus se faz homem para remir-nos do império do pecado. Este é, de fato, nosso verdadeiro presente de Natal!

Christus natus est! Gloria in excelsis Deo!
Rafael de Mesquita Diehl, 17 de Dezembro de 2008, III semana do Advento.

[1] RIGHETTI, Mons. Mario. Historia de la Liturgia. Tomo I. Parte III. Disponível em holytrinitymission.org.
[2] MARTINDALE, Cyril. Verbete Navidad na Enciclopédia Católica. Disponível em ec.aciprensa.com.
[3] Idem, Ibidem.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Segundo essa suposição, “Zacarias, que era sacerdote, entrou no Templo no Dia da Expiação, recebendo o anúncio da concepção de João, por conseguinte, foi em setembro; seis meses depois, Cristo foi concebido, ou seja, em Março, nascendo em Dezembro.” Para tanto, vide o Verbete Navidad da Enciclopédia Católica, anteriormente citado. Estudos recentes mostram que as suposições de São João Crisóstomo não eram completamente infundadas. Voltaremos a nos deter sobre esse aspecto mais adiante.
[7] RIGHETTI, Op. Cit. Em holytrinitymission.org.
[8] MARTINDALE, Op. Cit. Em ec.aciprensa.com.
[9] RIGHETTI, Op. Cit.
[10] MARTINDALE, Op. Cit.
[11] “Mas, sobre vós que temeis o meu nome, levantar-se-á o sol de justiça que traz a salvação em seus raios. Saireis e saltareis, livres como os bezerros ao saírem do estábulo.” Malaquias III, 20.
[12] RIGHETTI, Op. Cit.
[13] Idem, Ibidem.
[14] MARTINDALE, Op. Cit.
[15] Trata-se de um estudo complexo envolvendo vários cálculos e diferentes sistemas de datações da Antigüidade. Para maiores informações vide SUNGENIS, Robert A. Boas Novas – Jesus Cristo nasceu mesmo em 25 de dezembro do ano 1 a.C. Disponível em Veritatis Splendor.
[16] MESSORI, Vittorio. Jesus nasceu mesmo num dia 25 de dezembro... Disponível em Veritatis Splendor.
[17] Citado em STEPHAN, Pe. Elie K. A História do Natal. Disponível em Ortodoxia Brasil. Aviso: Este site pertence a fiéis da Igreja Ortodoxa, que não mantém comunhão com o Papa, portanto, cismática. O presente texto, contudo, não contém nada que contrarie a Doutrina Católica.

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