quinta-feira, 16 de abril de 2015

O caso Galileu - ciência e fé incompatíveis?

Por Vittorio Messori

Voltaire

Um dos pais do racionalismo iluminista, e, portanto, um dos autores da “lenda negra” sobre Galileu, é Voltaire, o mesmo que qualificara de charlatães os primeiros estudiosos de geologia, que sustentavam, com razão, a origem marinha dos fósseis encontrados nas escavações. O“filósofo das luzes” rechaçava aquelas “fábulas próprias de padres”, ao assegurar, todo solene, que se tratavam de pequenas conchas perdidas pelos peregrinos que seguiam o caminho de Santiago de Compostela…

Quando os discípulos de Voltaire chegaram ao poder, guilhotinaram, no dia 08 de maio de 1794, um homem de cinquenta anos: Antoine Laurent Lavoisier. Ou seja, a maior personalidade científica da França, e, provavelmente, da Europa, o fundador da química moderna, o descobridor da fórmula da água, autor do novo sistema de pesos e medidas. Lavoisier solicitou ao juiz que o condenava à morte, um adiamento de 15 dias na sua execução, para poder finalizar uma importante investigação que estava levando a cabo. “A República não tem necessidade de cientistas!” respondeu-lhe o “jacobino ilustrado”, apontando-lhe o caminho do patíbulo.

Seria esse um caso isolado? E o que dizer então de Condorcet, também condenado à morte na época do Terror, ele que era um grande cientista e matemático, mas que se tornou culpado por ser “girondino”, ou seja, não suficientemente radical na luta contra o “obscurantismo”?

O caso Galileu foi idealizado contra a Igreja, primeiro pelo liberalismo burguês (da Revolução Francesa) e depois pelo marxismo. Durante décadas, gerações de “progressistas” assistiram entre comovidas e indignadas, às representações de “Galileu Galilei”, o drama de Bertold Brecht.
Bertold Brecht

É uma lástima, no entanto, que ninguém nunca se lembre de que o autor daquela “denúncia” recebeu o Prêmio Stalin das mãos do próprio ditador em Moscou, e que a versão definitiva daquela obra foi representada, em 1957, naquela“capital dos direitos humanos e da liberdade de pensamento” que era Berlim Oriental. E que, no frigir dos ovos, foi encenada às expensas daquele “Estado democrático”alemão que pagava a Brecht todos os gastos de seu teatro, o Berliner Ensemble, que contava com centenas de empregados.

Esses são os púlpitos que nos admoestam com críticas raivosas e lições de“tolerância cívica”!

Mas, continuando com o Galileu da História e não o da lenda: ele foi convocado (não ficou nem por uma hora no cárcere) diante do tribunal, mas não por causa de suas afirmações. Tem que ser dito que a teoria“Heliocêntrica” (o Sol como centro, contrapondo-se à teoria “Geocêntrica”, a Terra como centro) de Copérnico, um fervoroso padre polonês, que tinha o seu observatório na torre de uma catedral, que dedicou sua principal obra ao Papa Paulo III, colega “astrônomo”, e que obteve sem problemas oimprimatur dos censores da Igreja, era defendida por Papas e Cardeais, como investigadores particulares, e era discutida com toda a tranquilidade nas próprias universidades pontifícias.
Galileu Galilei

O próprio Galileu, que morreu aos 78 anos, na sua cama, em uma esplêndida vila, com as bênçãos pontifícias e murmurando como últimas palavras os nomes de Jesus e de Maria, era membro da Academia Pontifícia de Ciências. Havia chegado aos 70 anos sem nenhum tipo de problema com as autoridades eclesiásticas, entre as quais se contavam como fieis admiradores e poderosos protetores, vários Bispos e Cardeais. Apenas uma vez (e só essa vez) recomendaram que tivesse prudência; uma advertência em nome do rigor e da seriedade científicos.

A guerra foi declarada por seus colegas laicos da não menos laica Universidade de Pádua. Também o perseguia, sobretudo, a ameaçadora hostilidade do biblismo protestante. Em Roma, durante e depois do processo, ficou alojado nos palácios pontifícios e cardinalícios; se fosse nas cidades da Reforma, terminaria na fogueira ou, no mínimo, no cárcere. O próprio Lutero proferiu palavras raivosas contra Copérnico, aquele “padre amigo de padres” que afirmava coisas que contradiziam a Escritura.

E Melanchton, o principal teólogo do frade rebelde, ao considerar os católicos demasiadamente tolerantes, lançou essa ameaça: “Entre nós, semelhantes fantasias sacrílegas não teriam permanecido impunes”. Quando a notícia da condenação de Galileu chegou a Tübingen, a Universidade bastião e luminária do pensamento protestante, os professores celebraram com uma grande festa e (por uma vez) se viu os luteranos congraçarem-se com os católicos… Recordo isso para chamar a atenção a propósito de determinadas tribunas para as quais o catolicismo, e apenas ele, é a “Grande Besta do Apocalipse que oprime a liberdade dos Filhos de Deus”.

As desventuras de Galileu em Roma foram relativas: retirar-se a sua vila e recitar uma vez por semana os sete salmos penitenciais, podendo, contudo, continuar com seu trabalho; e de fato, sua maior obra foi escrita depois dessa condenação. Tais desventuras não lhe recaíram por suas afirmações, mas pela maneira que as fez, com uma espécie de fideísmo dogmático, pela soberba de tentar ser ele mesmo um “enviado do Verbo” de uma ciência que continuava sendo hipotética.

Pretendia mesclar conhecimentos derivados da observação da natureza com a teologia, e construir um dogma científico para o que até então era simplesmente uma hipótese, sem provas experimentais. A única “prova”científica que Galileu levou ao processo, em quatro dias de discussão, a ocorrência das marés como originadas pelo movimento da Terra, estava errada, já que tinham razão os juízes ao atribuir o ascenso e descenso das águas marinhas à atração da lua. Não por acaso, o filósofo moderno Karl Popper desaprovou a atitude de Galileu ao ver nela a origem da nova, e muito perigosa, como em breve seria comprovado, “religião da ciência”: o“cientificismo”.
Karl Raimund Popper

Ademais, Roberto Belarmino, o sapientíssimo e santo Cardeal que lhe protegia, assim como muitos Papas e Bispos, ao tentar defendê-lo sobretudo de si mesmo, de sua teimosia (e também de seus intentos de desvirtuar os fatos que acabaram por lhe indispor com os juízes), havia adotado na ocasião uma esclarecedora expressão. A mesma que outro Cardeal e também notável investigador, Cesare Baronio, utilizou para sintetizar a postura católica diante da nascente ciência moderna: “A Bíblia não pretende ensinar-nos como se move o céu, mas como se chega até ele”.

A própria existência das monumentais “Summae” medievais (que não eram apenas obras teológicas mas, com frequência, autênticas enciclopédias de todo o saber conhecido), demonstra que a Igreja nunca se deixou levar pela tentação de estabelecer um antagonismo entre a investigação (em todos os campos) e a religiosidade. Sempre ensinou que tanto a fé quanto a razão são um dom de Deus, e, em consequência, nunca pode haver oposição entre elas.

A segurança do cristão está no fato de o Deus da Revelação ser também o Deus da Criação, por consequência, das ciências naturais, enquanto um estudo das maravilhas da Sabedoria divina. São, de alguma maneira, atos de culto e motivos de reflexão religiosa. Essa é também a razão porque as obras de matemática e geometria dos sábios da antiguidade (Euclides, o primeiro deles) chegaram até nós, copiadas com entusiamo pelos monges medievais e mais tarde, quando foi possível, impressas e difundidas por outros religiosos. E é também por isso que na época de Galileu, havia na Europa 108 universidades, uma criação característica dos católicos medievais, algumas na América espanhola, mas nenhuma nas terras não cristãs.

(Texto extraído do livro “Algunas Razones Para Creer”.)

(Veja também os demais artigos da Coleção Igreja Hoje.)

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fonte: https://medium.com/igreja-hoje/o-caso-galileu-584419805a43